Vicejando num perímetro de 21 km² no Maciço da Tijuca e circunscrita ao atual Parque Nacional da Tijuca, a Floresta da Tijuca continua a refletir as diferentes relações entre natureza e sociedade, passado e presente, ciência e cultura.
O maciço que a abriga constitui um conjunto de montanhas onde se situam referências da paisagem carioca, como o Morro do Corcovado, a Pedra da Gávea, a Pedra Bonita e o Morro Dois Irmãos. Desde o período colonial a população nominava essa cobertura florestal como Matas da Tijuca ou Floresta da Tijuca.
Enquanto o cultivo do café avançava sobre as altitudes em redor da cidade, o uso do solo e as inovações dele suscitadas acabaram por circunscrever, nas vertentes ao norte do maciço, o que se sagrou como Floresta da Tijuca, intimamente ligada à história de ocupação do território fluminense, aos ciclos econômicos e à construção da identidade cultural e científica da população que se estabeleceu nesse espaço geográfico desde a chegada da corte portuguesa até os dias atuais.
Plantação de café na Gávea Pequena, feita por Owen Stanley em 1847
Obra de Rugendas retrata a experiência mal sucedida de importar chineses para plantar chá nas encostas da floresta |
Os primeiros plantios destinados ao reflorestamento, em 1862, encontraram na escassez de água para abastecimento da cidade do Rio de Janeiro sua explicação histórica mais emblemática e, por que não dizer, romântica. Se aos olhos do colonizador europeu a percepção das matas tropicais era como de natureza bizarra e impeditiva ao progresso, sua substituição por espécies exóticas, comercialmente viáveis e capazes de gerar uma paisagem mais homogênea, à semelhança do Velho Continente, era mais que oportuna.
Em 1860 foi criado o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA) com o projeto inicial de modernizar, por meio de estabelecimentos de ensino agrícola e da divulgação de conhecimento, as práticas rudimentares usuais, aliando teoria à prática.
A maioria de seus membros eram proprietários rurais, porém também havia homens de ciência. Defendia‑se ali a produção de conhecimento próprio sobre os recursos do país, bem como a resistência à introdução das práticas europeias como verdade absoluta.
O major Archer, que comandou o replantio da Floresta da Tijuca
Embora estabelecido por portaria o plantio regular de árvores, num sistema de mudas e sementeiras, e com arvoredos do país, em linhas retas paralelas, com distância fixa a partir das nascentes, o major Gomes Archer – primeiro administrador da Floresta Nacional da Tijuca – optou por reproduzir a fisionomia desordenada da floresta tropical, o que mais tarde foi reconhecido.
Essa atitude sugere refletir sobre as posições identitárias de construção de uma ciência nacional, dispersa entre os homens de ciência e os intelectuais à época.
As mudas vieram da Floresta das Paineiras (próxima ao Pico do Corcovado), de Guaratiba e outras mais cultivadas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). As coleções botânicas provenientes do Maciço da Tijuca e depositadas no herbário do JBRJ somam três mil espécimes e podem servir de fonte informativa para o estudo histórico da paisagem.
Um embrião do que se compreende hoje por restauração ecológica pode ser encontrado nas práticas de Archer, cuja seleção de espécies – privilegiando a coleta de espécies autóctones à serrania –, bem como o arranjo espacial empírico – valendo‑se de sua experiência em campo ao observar a organização natural dos indivíduos na fisionomia local e as associações de espécies –, propiciou em longo prazo a reconstituição florística e estrutural desse trecho de encosta do Maciço da Tijuca. Diferentes autores têm se ocupado de pensar o lugar do homem neste momento de grandes incertezas.
A imagem por satélite dá uma noção da importância da Floresta (em verde) para o resto da cidade do Rio. As quatro áreas do Parque Nacional estão destacadas: a) Floresta da Tijuca; b) Serra da Carioca; c) Pedras Bonita/Gávea; d) Covanca e Pretos Forros
Os que nos antecederam na experiência da Tijuca apostaram no futuro, no desconhecido e no improvável, e talvez nós tenhamos o grande desafio científico e humano, em face da contemporaneidade, de tornarmo‑nos, a cada dia, “pessoas que façam da oposição ao pensamento consagrado uma virtude”.
Texto escrito por Rejan R. Guedes‑Bruni, Jardim Botânico do Rio de Janeiro e PUC‑Rio
Fonte da Informação: http://www.comunitexto.com.br/pioneirismo-na-restauracao-de-florestas-tropicais-a-historia-da-floresta-da-tijuca/#.Vk5D7XarSM8?utm_source=Newsletter-19-11-2015&utm_campaign=Newsletter-19-11-2015+&utm_medium=email
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