Extensão das calotes glaciárias polar e de montanha (Alpes e Pirinéus) na Europa durante a última glaciação (Würm).
Idade do Gelo é a expressão habitualmente usada para designar o último período geológico de arrefecimento da superfície e atmosfera terrestres, marcado pela expansão das calotes glaciárias (inlandsis) polares bem como das geleiras ou glaciares de vale, nas montanhas. No primeiro quartel do século XIX, o suíço, Jean-Pierre Perraudin (1767-1858) percebeu que, tempos atrás, os glaciares canalizados nos vales dos Alpes suíços haviam descido e coberto grande parte desses vales e que, nos últimos milénios, haviam recuado gradualmente para as posições que actualmente ocupam. Verificou ainda, que, na descida, essas “línguas de gelo” arrastaram grandes amontoados de calhaus e blocos de rocha, por vezes polidos e/ou estriados, para as zonas mais baixas e aí os deixaram quando o gelo fundiu.
A residência deste precursor do glacialismo foi, mais tarde, transformada no Museu do Glaciar. Embora hoje familiar para a maioria das pessoas, a ideia de Perraudin foi rejeitada pela comunidade científica de então, mas não tardou a encontrar defensores. Um deles foi o naturalista suíço Ignaz Venetz (1788-1859), considerado o fundador da glaciologia. Na sequência das observações de Parraudin e vencendo a forte oposição de uma boa parte dos seus contemporâneos mais influentes, Venetz confirmou as observações deste seu conterrâneo, afirmando, em 1829, que os glaciares alpinos e os referidos amontoados de calhaus e blocos, tinham invadido as planuras suíças do Jura e que semelhantes materiais, vindos da Escandinávia, haviam atingido e coberto grande parte do norte da Alemanha e da Polónia, deixado aí amontoados de calhaus e grandes blocos isolados, mais tarde referidos, respectivamente, por moreias (ou morenas) e blocos erráticos.
Moreia
Dois anos depois, o engenheiro de minas alemão, Johann von Charpentier (1786-1855), director das minas de sal de Bex, na Suíça, veio em seu apoiou. Venetz foi, assim, o primeiro a interpretar a origem glaciária das moreias e blocos erráticos e o primeiro a reconhecer os glaciares como uma das mais poderosas forças actuantes na erosão do relevo. O livro que publicou, em 1833, sobre os Alpes suíços,Mémoire sur les variations de la température dans les Alpes de la Suisse, antecedeu em sete anos a obra do famoso Louis Agassiz (1807-1873). Anos mais tarde, confirmou o seu pensamento em Mémoire sur l’extension des anciens glaciers, renfermant quelques explications sur leurs effets remarquables, publicado, postumamente, em 1861, pela Sociedade Helvética de Ciências Naturais.
Bloco errático conservado na planura do norte da Polónia.
Entretanto, na Alemanha, Albrecht Reinhard Bernhardi (1797-1849), professor de silvicultura na Escola de Engenheiros Florestais de Dreissigacker, corroborava a ideia de Venetz e, em 1832, escrevia que, num passado recente, uma imensa capa de gelo, oriunda da região polar árctica, teria alastrado e invadido as planícies do norte da Europa, com as mesmas consequência apontadas pelo colega suíço. Com base nesta ideia, admitiu também que os glaciares alpinos poderiam ter tido, nesse mesmo passado, uma extensão igualmente alargada. «Se esta hipótese estiver correcta», dizia, «serão do mesmo tipo as acumulações de detritos rochosos semelhantes em outras áreas vizinhas dos Alpes». Nesta visão de Bernhardi, hoje confirmada, os vales alpinos, actualmente libertos de gelo, foram nesse tempo os leitos de poderosos glaciares que transportaram toda essa carga de detritos rochosos.
Glaciar de vale nos Alpes.
Ainda na Alemanha, Karl Friedrich Schimper (1803-1867), naturalista e poeta, professor na Universidade de Munique, foi o inovador do conceito de glaciação e da ideia da existência, na pré-história, de uma alternância de eras quentes e frias, dando início à discussão sobre os períodos glaciários e os ciclos climáticos. Segundo ele, a Europa, a Ásia e a América do Norte haviam sido, por diversas vezes, num passado geológico recente, invadidas por imensas capas de gelo. Ao mesmo tempo, na Escócia, James David Forbes (1809.1868 físico, geólogo e glaciologista, contribuía para este tema com o seu saber na área da física. Interessado nos glaciares da Suíça e da Noruega, definiu estas massas de gelo como fluidos imperfeitos ou corpos viscosos que deslizam pelas encostas com uma dada inclinação por efeito do seu próprio peso.
Atento a esta problemática, o suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873), doutorado em medicina, produziu obra valiosa neste domínio, documentada na sua monumental memória, em dois volumes,Études sur les glaciers, publicada em 1840, tornando-se, assim, o nome mais conhecido no glacialismo. Professor de História Natural na Universidade de Neuchatel que, sob a sua orientação, se tornou uma das principais instituições de investigação científica do seu tempo, Agassiz ficou também conhecido como paleontólogo (na área dos peixes) e geólogo. Estudou com Alexander von Humboldt (1769-1859) que lhe abriu as portas à observação da paisagem física.
Em 1836, na companhia de Johann Charpentier, visitou os glaciares alpinos e as moreias de Diablerets e do Vale do Ródano. Na sequência desta visita, ele, que sempre fora céptico relativamente ao glacialismo, envolveu-se interessadamente na respectiva investigação. Como resultado desenvolveu uma teoria que apresentou à Sociedade Suíça de Ciências Naturais, de Neuchatel, em 1837, ao mesmo tempo que divulgava o conceito de Era Glaciária ou Idade do Gelo. Antes dele, outros (Venetz, Charpentier, Bernhardi) tinham observado as geleiras alpinas e chegado, praticamente, às mesmas conclusões, mas foi Agassiz que ficou na história deste capítulo da geologia. Nesta sua memória, discutiu os movimentos das línguas glaciárias, a sua influência na erosão dos respectivos vales, o desgaste e polimento das moreias e das rochas sobre as quais se deslocavam, estriando-as. Agassiz estendeu as suas observações às montanhas da Escócia, na companhia do reverendo inglês, William Buckland (1784-1856), decano de Westminster, e encontrou aí testemunhos seguros de glaciares antigos, à semelhança dos reconhecidos nos Alpes.
Também a Inglaterra, o País de Gales e a Irlanda lhe revelaram a existência de moreias e outros testemunhos de actividade glaciária na dependência das suas montanhas. Corroborando estas observações, o geólogo escocês Charles Lyell (1797-1875) revelava que os blocos rochosos, isolados e de natureza diferente da rocha que forma o terreno sobre o qual se encontram (blocos erráticos), foram transportados no seio das grandes massas de gelo dos glaciares de há milhares de anos. Mais tarde, Agassiz trocou a Europa pelos Estados Unidos da América, onde permaneceu até o fim de sua vida, em 1873, tendo ensinado zoologia e geologia na Universidade de Harvard e aí fundado o Museu de Zoologia.
Comparada, de que foi o primeiro director. Na continuação do seu trabalho na Europa, como glaciologista, ele foi, entre muitas outras actividades científicas e pedagógicas, um dos primeiros a estudar os efeitos da última glaciação na América do Norte, no que foi apoiado, mais tarde, pelo americano, James Dwight Dana (1813-1895). O Agassiz Lake, de origem glaciária, na região dos Grandes Lagos, o Agassiz Mount, na Califórnia, o Agassiz Peak, no Arizona, e o Agassiz Glacier, no Parque Nacional dos Glaciares, no Estado de Montana, são alguns dos acidente geográficos que evocam o seu nome.
O progresso acelerado dos conhecimentos geológicos nessa época, nomeadamente os revelados por Charles Lyell, levou William Buckland a reconhecer, em um dos oito volumes do famoso “Bridgewater Treatise”, que a abundância de blocos erráticos observados no terreno não confirmavam o relato bíblico do Dilúvio. Ele que, de início e como eclesiástico, julgara ter encontrado evidências geológicas do Dilúvio à escala mundial, passou a acreditar nas ideias de Agassiz sobre a Idade do Gelo que permitiam uma explicação plausível para o que lhe era dado observar no terreno.
Mais tarde, na Áustria, Eduard Brückner (1862-1927), geógrafo, climatologista e glaciologista, professor nas Universidades de Berna, Halle (na Saxónia, Alemanha) e Viena, chamava a atenção para a importância das mudanças climáticas e das consequentes flutuações do nível do mar. Especializou-se no estudo dos glaciares alpinos e, neste domínio, colaborou com o conhecido geógrafo alemão, Friedrich Karl Albrecht Penk (1858-1945), na obra em três volumes, Die Alpen im Eiszeitalter (Os Alpes na Idade do Gelo), editada em 1909. Nesse trabalho, admitiram a existência de quatro períodos glaciários que designaram, do mais antigo para o mais recente, por Gunz, Mindel, Riss e Würm. Do outro lado do oceano, o norte-americano Thomas Chrowder Chamberlin (1843-1928), geólogo e professor de geologia , fundador do Journal of Geology, reconheceu, nos depósitos glaciários (moreias) que cobrem parte do território do estado, outras tantas glaciações pleistocénicas, a que deu nomes ainda em uso: Nebraska,Kansas, Illinois e Wisconsin que, pela mesma ordem, correspondem às glaciações alpinas.
Glaciar de vale nos Alpes
Em Portugal, as Serras da Estrela e do Gerês conservam testemunhos da última glaciação (Würm) bloco-errático – bloco rochoso, por vezes de grandes dimensões, arrastado pelo gelo do glaciar e depois abandonado aquando do degelo. São reconhecíveis como tal porque, geralmente, assentam sobre terrenos de natureza diferente da sua e, nessa medida, são também considerados blocos-exóticos. São relíquias de antigas moreias frontais, que permitem reconstituir a extensão dos glaciares. moreia ou morena - acumulação de detritos de todas as dimensões transportados pelos glaciares.
Distingue-se uma moreia basal ou de fundo (que se acumula e desloca na base ou no fundo da língua glaciária); uma moreia dorsal ou mediana (acumulada longitudinalmente, como uma dorsal, na língua glaciária); uma moreia lateral (arrastado junto às duas margens da língua glaciária; uma moreia interna (dispersa no interior da língua glaciária) e uma moreia frontal (acumulada e empurrada na frente da língua glaciária). Por fusão e recuo do gelo, esta moreia pode constituir uma barragem natural e criar um lago a montante. Os tilitos são antigas moreias consolidadas.
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